Uma reflexão sociológica sobre o jornalixo – Parte I

Imbicto leitor,

Este assunto é um pouco mais sério do que a trivialidade que nos absorve a espuma dos dias. Confrontados e bombardeados que somos, diariamente, com rumores que enchem e preenchem as capas dos jornais e fazem destaque no audiovisual, estamos perante o maravilhoso mundo da imprensa.

Não é por acaso que se considera o quarto poder… Há cerca de trezentos anos atrás, quando o Montesquieu andava a “brincar” à retórica e aos ensaios que se transformaram em alguns dos mais interessantes e básicos princípios das sociedades contemporâneas, o mundo da informação democratizada era uma miragem, longe da independência e do impacto, até porque o que existia em tom informativo não era mais do que boletins dirigidos a uma camada e$pecífica da população bem estratificada em classes pré-emancipadas, ou então simples comunicados lançados à luz do dia pelo monarca, imperador, ou ministro. Enfim, tudo dependia de duas coisas essenciais: dinheiro e poder.

Só com a Revolução Industrial é que a coisa começou a mudar, embarcada que foi no espírito “clássico” dos liberais escoceses e das sementes que para aquela criaram, de certa forma, num ambiente intelectual pujante do Iluminismo e das boas intenções da Revolução Francesa. O mundo ia mudando… E aquilo que, talvez de forma um pouco manipulada e politicamente incorrecta de dizer, não era bem destinado ao povo, mas antes aos grupos de pressão, uns mais secretos do que outros, que compartilhavam um ideário mais republicano. Perdoem-me, portanto, que diga as coisas desta forma, mas o povo, já desde a Grécia antiga, sempre foi utilizado como escudo e como desculpa para fazer prevalecer ideias em relação a outras, ou simplesmente para artificializar verdades com grandes mentiras – e o nosso século passado é pródigo nas demonstrações tristes disso mesmo.

A imprensa e o seu gene jornalístico, embora antiquíssimos, só há cerca de cem anos e que tem expressão no mundo ocidental, de forma democratizada. A Revolução Industrial modificava o paradigma do campo, mas não o do rendimento. E quando isso acontecia, por autodeterminação de alguém passado de popular a burguês, pelo trabalho ou por “connects” com o patrão, não tinha tempo de viver o suficiente para aplicar o que ia apreendendo, até porque não tinha ido à escola. Só com a era pré-Grande Depressão americana é que a coisa se foi democratizando, de certa forma, mas sempre ao serviço dos mesmos dois. De maneira mais ou menos “ética”, o Fordismo trouxe a verdadeira dimensão do conceito de classe média, bem como do conceito de imitação do tudo igual que se foi afirmando como status do homem e da família ideal.

Há, no meio de toda esta treta e contextualização histórica que te poderá parecer descontextualizada e gratuita, um grande problema: está tudo na mesma. O povo continua a ser a desculpa para justificar tudo, nomeadamente o acesso à informação pseudo-parcial e pseudo-independente; o dinheiro continua a determinar se o pasquim sobrevive, com mais ou menos qualidade; o poder continua a oligopolizar-se e de mãos dadas com a informação, onde a política e os meios de comunicação social andam – perdoam-me a verdade, com certeza, já que é verificável – promiscua e umbilicalmente ligados e interdependentes.

O conceito de massa tem-se alterado, por pudor de uma sociedade que já se habituou a ter condições igualitárias e que tem de se entreter em arranjar nomes pomposos para tudo, por estatuto, ou para parecer o que não é, nem que seja por recusar-se a perder uma condição social que perdeu com a crise e que tem de manter. Ou seja, o mundo não mudou nada na sua base de pensar, desde que cá andamos. E, se calhar, ainda bem, ou já nem seríamos seres humanizados.

O que me preocupa no meio disto tudo, não é a falta de mudança das bases. O que me preocupa no meio disto tudo é a falta de descaramento com que se abordam assuntos, fazem debates televisivos ou radiofónicos, se entoa uma palavra de forma a que inconscientemente o receptor pense, ou associe em reflexo, de determinada forma.

Há uma discussão a fazer.

Ontem passou o primeiro episódio de um conjunto de três, onde se olha o Benfica por dentro, na SIC. Lembrei-me dos últimos quinze anos. Lembrei-me dos amuos de Pinto da Costa em relação à referida estação e lembrei-me dos amuos de um jornalista que disse que o presidente do FC Porto era o “patrão dos árbitros”, numa entrevista paradigmática ao então director-geral da UEFA, Gerhard Aigner, de um agente posteriormente inocentado, do quarto poder que, insistentemente, tenta ser o primeiro. Pior, tenta substituir o terceiro (Judicial). Questiona, sugere, supõe e faz disso um julgamento que, infelizmente, tem no futebol apenas uma triste e evidente face desse rosto ambicioso e autoritário. E o mais irónico de tudo, é que não vi nenhum agente do quarto poder a investigar, a questionar, a ser veemente na acusação e na insinuação com o actual estado das coisas na arbitragem portuguesa. O problema era Pinto da Costa, ou o sistema? É que se é o sistema, o problema continua, mas a indagação jornalística desiste de perceber quais são os conflitos de interesses referidos na polémica causa judicial existente entre o jornalista Mestre, a SIC e Pinto da Costa.

Mas a SIC é um canal privado! Que direito tenho eu de exigir, seja o que for, a quem publica e destaca o que lhe dá na real gana? Quem sou eu para fazer isso, se o dinheiro com que vivem só sai do meu bolso se pagar um produto que publicitem naqueles intervalos intermináveis? Quem sou eu para dizer seja o que for, quando posso, em acto de nojo, carregar no botão do comando? Nada posso exigir aos privados. A escolha é minha e de mim não dependem. Mas será que o português comum sabe distinguir isso? Saberá ele distinguir um destaque relativo, ou uma prevalência informativa relativa de um indicador de comportamento? Os média são os média e não há privado, ou público, que justifique tanta discrepância nos agentes passivos, sem que tenha inocentemente a noção de que está a moldar a forma de pensar de muitos, nomeadamente das maiorias que ouvem e vêem o que querem ouvir e ver.

Há aqui duas conclusões a tirar. Em primeiro lugar, a força que mais nenhum poder tem por ser constante e activo na acção. De repente, um iluminado qualquer no meio de uma reunião decide que o destaque do dia, ou da semana, vai para os idosos que, de repente, parecem morrer todos sozinhos e abandonados em casa, ou para putos que, de repente, levam umas porradas à porta de uma escola qualquer de forma ostensiva; ou ainda que os adeptos de um determinado clube são, de repente, todos agredidos pela PSP por causa de um caso vergonhosos, insinuando ligeiramente justificações com base na injustiça e violência do tal caso, em reacção, provocando o que se viu nuns festejos do mesmo clube, num local público, como se aquela rotunda fosse o adro da igreja da aldeola, a receber o filho pródigo, regressado.

A independência, a responsabilidade, o direito de informar, a liberdade de expressão, o charlienismo e essas coisas todas bonitas com que se enche a boca para fazer mal o trabalho a que os estatutos obrigam, banalizaram-se. A regra da maioria e o princípio da independência do privado encobrem tudo.

Mas quem fala na SIC, pode bem falar na TVI, por exemplo, onde durante o comentário do Prof. omniMarcelo, se pode ouvir a loucura em gritaria de quem estava na redacção, após o desesperado golo do Sporting ao Braga, através de um inolvidável livre de Tanaka. Isto, por exemplo, é aceitável? Não me fará, a mim, que assisti ao surreal episódio via LCD, confusão, provocando desconfiança? Não provocará ainda mais lamento a forma como os nomes dos jogadores do FC Porto são constantemente confundidos, durante os jogos da Champions? Onde está o pedido de desculpas por isto?

Este, meus senhores, é o lado das televisões. Cada um dá-se com os amigos que quer. Cada um escolhe ou é escolhido na preferência informativa. Mas ninguém tem o direito de se vangloriar como referência, isento, ou proporcionalmente informador, quando assistimos, dia após dia, a episódios lamentáveis como aqueles que referi? Servirá o dever de informação “conveniente” como desculpa para toda a circunstância? Servirá o povo, uma vez mais, como desculpa para não cumprir isto?

Para já é tudo…

Imbicto abraço!

8 pensamentos sobre “Uma reflexão sociológica sobre o jornalixo – Parte I

  1. Boas,
    É evidente que sim, servirá! E servirá tranquilamente, na mansidão da maioria. E se a maioria serve o propósito e os muitos fazem mais Povo que os menos, então a verdade é que o Povo para além de servir, em sentido de desculpa, também se serve. O problema, meu caro, é que muitas vezes alguns dos poucos que são diferentes da maioria, e portanto menos, comem da palha que lhes dão. Porque o espírito crítico é avesso à preguiça e todos temos mais com que nos preocupar, pelo que damos graças ao que nos entregam já feito.
    Desculpe lá o testamento, mas o assunto é-me caro.
    Cumps.

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  2. Imbictos amigos,

    Se dúvidas houvesse, a SIC fez questão em esclarecer qualquer dúvida que existisse… Eram 19H56 e o Jornal da Noite começou logo a bombar com a notícia do dia. Não me lembre de algma vez o serviço noticioso ter começado mais cedo, a não ser por causa da bola…

    Imbicto abraço!

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